Recentemente fui convidado pelo Liceu Pasteur para uma conversa com os pais, tendo como pano de fundo os recentes casos de suicídio de alunos de escolas particulares em São Paulo. Na primeira hora de conversa, os pais falaram de suas angústias, suas questões e opiniões sobre o sofrimento dos filhos. Foi um momento rico e a minha principal função foi fazer circular a palavra para que eles mesmos pudessem responder as perguntas dos pares, a fim de refletirem conjuntamente e se fortalecerem. Apesar da tentação em generalizar as condutas, o que funcionava para uma família não necessariamente funcionaria para outras. Mais importante seria discutir alguns princípios e angústias e, a partir daí, cada família poderia encontrar estratégias boas para o seu próprio estilo.
A primeira questão na qual me detive foi sobre os riscos da tecnologia, pois o acesso ao celular – conforme os pais – deixaria os adolescentes vulneráveis às más influências, tornando necessária a ajuda deles com relação ao uso, regras, limites e resguardo da própria identidade. Esse tema se mistura com a nostalgia de uma época menos tecnológica, quando as relações eram mais verdadeiras e protegidas. Essa perspectiva romantiza o passado e dificulta a invenção de estratégias em acordo com as características do mundo atual e com as demandas presentes. Embora não haja garantias, cada família precisa encontrar um equilíbrio que contemple seu estilo, os valores dos pais, as demandas dos filhos e do mundo. Mais do que brigar com o celular, é importante promover a diversidade de vivências, de experiências e atividades, de modo que o uso do celular constitua apenas uma modalidade de relação entre outras. Não é tarefa fácil!
Embora as condições que envolvem os atos impulsivos sejam muito variadas, eu focalizei dois elementos que concorrem para tanto: a impossibilidade de atuação singular no mundo e a impossibilidade de comunicação. Ou seja, deve-se promover nos sujeitos a capacidade de desenvolver suas singularidades e expressar seus sofrimentos e estranhezas no mundo. Aqui a possibilidade de intervenção dos pais torna-se mais palpável, ao discutirmos objetivamente as formas de relação que promovem ou prejudicam a expressão singular dos filhos.
É lugar comum a necessidade da boa comunicação entre pais e filhos, mas as condições para tal são menos óbvias. Não se trata de esperar que um filho adolescente conte tudo para os pais, pois essa fase implica também o distanciamento em relação às figuras parentais e a criação de um mundo em que elas estejam excluídas, um mundo em que os jovens experimentem a vida de maneira autoral, cometam erros e se identifiquem com outros sujeitos, geralmente de forma contraditória e irresponsável aos olhos dos adultos. Ainda assim, se o canal de comunicação com os pais for satisfatório, eles poderão ser acionados quando necessário.
Para tanto os pais devem saber que eventualmente serão frustrados pelos filhos e que também os frustrarão com alguma frequência. Isso é importante porque a idealização – de um lado e de outro – prejudica a comunicação daquilo que falha, falta e faz sofrer. Quando criamos modelos idealizados de nossos filhos e de nós mesmos ficamos presos a estereótipos e perdemos nossa capacidade de inventar modos próprios de existir e conviver. Um pai que imagina saber previamente quem o filho é, como se sente e o que deve desejar terá pouco espaço interno para ouvi-lo, pois estará fechado à surpresa e ao espanto. É comum esses pais dizerem que valorizam a conversa. Contudo, se eles pensam já saber tudo sobre o filho, não se trata de diálogo, mas de monólogo! Dificilmente alguém aceita que se lhe imponham valores, opiniões e desejos. Se tentarmos fazer isso com um adolescente, o mais provável é que ele faça exatamente o contrário! Enfim, para que pais e filhos sobrevivam à adolescência é importante tolerar alguma estranheza e frustração de parte a parte.
A partir daí, falamos também sobre a idealização do sucesso escolar e sua suposta determinação da felicidade. Se, por um lado, é natural a valorização dos cursos universitários mais concorridos, é temerário reduzir a escolha profissional a critérios mercadológicos e alheios aos jovens. Nesse tema, alguns pais comentaram como os cursos de medicina – tão cobiçados pelos vestibulandos – se ligam a altas taxas de adoecimento mental, abuso de drogas e suicídio.
Ao final, surgiu outra questão interessante: como entender os dados estatísticos segundo os quais as taxas de suicídio aumentaram nos últimos anos? Apesar das minhas reservas quanto ao uso superficial das pesquisas estatísticas, especialmente quando vinculadas à patologização da vida contemporânea, eu me propus o desafio de pensar o quê poderia explicar o suposto aumento nos casos de suicídio. Novamente, devemos tomar cuidado para não recairmos na estereotipia discutida anteriormente, sobre um passado idílico perdido e um presente vazio de sentido e de afeto. Ainda assim, há um elemento característico da modernidade que se intensificou especialmente nas últimas décadas e possivelmente esteja relacionado ao aumento nas tentativas de suicídio: a mudança na experiência temporal.
No encontro do Liceu, eu dei o exemplo das cartas. Quando se enviava cartas, era sabido que elas demorariam dias até chegarem a seus destinos, que a pessoa poderia demorar dias para escrever uma resposta, a qual, por sua vez, demoraria mais alguns dias pra chegar. Ou seja, entre os estados de expectativa, preocupação e frustração podiam se passar dias, semanas, um tempo importante para refletir e conferir a devida relevância ao tema em questão. Ao contrário, quando se envia uma mensagem pelo WhatsApp o júbilo ou sofrimento são instantâneos. Uma resposta ruim chega tão rapidamente que não deixa tempo para amadurecer a reação, a qual precisa ser imediata.
Essa comparação banal visa ilustrar uma mudança na cultura, caracterizada pela diminuição no tempo entre estímulo e resposta, fundamento de minha hipótese sobre o aumento no índice de suicídios. E se não cabe voltar a escrever cartas, o que pode fazer um pai para ajudar seu filho a suportar uma experiência temporal mais distendida? Bom, se tem uma coisa que todo pai e toda mãe sabem é que existem momentos difíceis na vida, momentos tristes, momentos de desesperança. Todos já fomos adolescentes e passamos por essas experiências. O grande desafio é encontrar uma forma de transmitir esse saber aos filhos sem menosprezar o sofrimento que eles vivenciam. Dizer simplesmente que aquilo vai passar – como se fosse uma gripe – pode ser sentido como uma grave violência. É preciso transmitir a experiência de que a tristeza pode ser tolerada e ao mesmo tempo, legitimar o sofrimento. É nessa condição paradoxal que se torna possível simultaneamente tolerar a duração temporal de um sofrimento e confiar na possibilidade de sua superação.
Enfim, essa conversa não teve como objetivo dirimir todas as dúvidas, tampouco acabar com as angústias parentais. Ao contrário, trata-se de aproveitar esse momento de angústia para repensar as relações com nossos filhos, refletir sobre o lugar da escola e avaliar criticamente as idealizações de felicidade e sucesso. Afinal, não queremos apenas que nossos filhos não se suicidem; queremos que eles desenvolvam suas potencialidades, inventem seus desejos e vivam intensamente.
Daniel Lirio
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